Newton Marques Peron
A viagem seria longa. Para
Arabela, mais longa ainda. Não pela ansiedade de chegar, estava cansada
de visitar sua mãe em Salvador. Desde que mudara para São Paulo,
era a mesma viagem todo mês. Não, não era por isso. Também
não era receio de deixar São Paulo. Deixar o quê? O trabalho
estúpido de secretária? O patrão ignorante? O apartamento
fétido no Brás, que dividia com uma amiga? Não, não
era esse o problema. Então qual era?
O banheiro do ônibus. Não conseguia lembrar muito bem a primeira vez que entrara num ônibus com banheiro. Era criança ainda, estava com a mãe. Queria muito ver aquele banheiro minúsculo. Para onde ia a água da privada? E pia? Será que tinha pia? Pedia desesperadamente: “Mãe, posso ir no banheiro?”, “Pra quê?”, “É que eu tô apertada...”. Já havia sonhado inúmeras vezes com aquele banheiro. Sonhara que a privada era um buraco sem fundo, que da pia saía gasolina. Tudo porque sua mãe nunca a deixava vê-lo. Mas dessa vez sua mãe não estava lá, poderia ir quando quisesse. Mas e se percebessem que ela estava indo só por curiosidade? Que ela não estava apertada? Iriam rir dela... “Veja”, diriam “aquela moça tá indo no banheiro sem vontade, só por curiosidade...” Ela não poderia fazer uma coisa dessas. Seria muito estúpido. Mas como haveriam de perceber? Era só ela levantar, ir até lá, ficar um tempo dentro e sair. Pronto. Estava decidida. Iria levantar. Esticou o pescoço para trás e viu: um moço acabara de entrar no banheiro. Congelou. Como ele podia? Justo quando ela tinha se decidido ver o banheiro, matar aquela curiosidade que a perseguia há anos... Era um sinal. Ela não podia ver o que tinha naquele banheiro. Sinal! Que besteira! E ela acreditava nessas coisas? Não, não havia sinal nenhum. Foi ela que demorara muito para tomar uma decisão. Continuava convicta na sua resolução: iria ao banheiro logo depois do moço sair. Passou tempo. Ela olhava de um lado para o outro, e nada do moço sair. Que besteira isso... tanta coisa por causa de um banheiro de ônibus... O moço saiu. Pronto. Era só levantar e ir até lá. Oras, que criancice! Um banheiro de ônibus é um banheiro como qualquer outro: não tinha o que ver. Devia parar com aquela besteira... Fechar os olhos e dormir. Mas não conseguia dormir: aquele barulho era irritante! Plack, plack, parecia uma... Porta batendo. Aquele moço tinha deixado a porta do banheiro aberta! Levantou, foi até o banheiro e fechou a porta. Mas não, não olhou lá dentro. Newton Marques Peron é
exímio contista, com imaginação e criatividade para os
temas introspectivos, aqueles que retiram de pequenos fatos do cotidiano,
fundamentos filosóficos da relação do homem com o meio.
E faz com poder de síntese e fluência narrativa de fácil
acompanhamento pelo leitor, pelos desfechos das tramas, bem elaboradas.
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