O patrão foi embora

            Paul Alejandro Aguilera Burneo
                    Potim-SP                       

A menina ficou no quarto a tarde inteira, não entendia por que devia permanecer trancada ou, talvez, estava escondida?  Anoitecia quando sua mãe voltou e não lhe explicou nada, parecia que nem sequer reparou na presença da criança.  A tosca mulher fechou a porta e sentou na cama, levou as mãos ao rosto e, com desespero, começou chorar sem poder se controlar.  Sim, a Mariana tinha que chorar, já não agüentava mais, havia fingido esse tempo todo, pois como diziam: ela era ruim, então não devia mostrar que, a pesar de todo, lhe doía muito a morte do patrão.  Queria não sentir assim, mas era em vão, não podia evitá-lo.  As lembranças se empenhavam e apareciam na sua mente, de forma tão viva que chegava a doer: esse aperto no peito, sua angústia; os soluços acalmavam um pouco mas não o suficiente.  Era toda uma vida, sua vida.  Para ela tudo tinha um valor muito grande, não podia ser de outra maneira, sua filha estava aí; acaso não era um motivo válido?  Por que devia se afastar, ficar de lado, fingir que não era com ela, que não lhe importava, que ela era mais um criado, alguém que devia acompanhar de longe, cumprir suas obrigações de empregada, ficar quieta e calada...
Quando chegou à fazenda, já crescida em tempo e vida, não gostou daquele homem; achou que o dono era rude e estúpido demais, distante e estranho, branco sem cor, barbado e com um olhar esquisito e azul, dentes grandes e amarelados, fedor a cachaça e charuto.  Patrão sujo –pensava-, nunca o vi tomando banho.  Quando quis ver, estava preocupada demais querendo sentir.  Engraçado, sabia o que ele queria quando a chamou, pensou que teria que fazer coisas e mais coisas e que não desfrutaria; mas não, ele é que fazia e ela estava adorando: ninguém chegou tão fundo, nunca sentiu assim, de esse jeito, tão gostoso.  Depois dessa tarde, o patrão decidiu tomar banhos caprichados 
e ela sempre prestativa, ajudando.  Todos os dias do Santo Deus havia o banho e, junto a ele, as horas se faziam longas, se estendiam, chegava até a noite e, ela bebia também, tomava banho e ficava cheirosa não mais fedida.  O cheiro a cachaça, a charuto, a ele, já não lhe incomodava; agora fazia falta.  A saudade começa com a ausência do cheiro.  Ah!, o cheiro traz as lembranças, os desejos afastados e a perda fica evidente.  E ela pensava que perdia se o patrão não estivesse por perto.  E agora, o que faria: ele tinha se mandado, sem avisar, sem querer, sem deixar ninguém, a não ser uma filha bastarda para criar.
À sua maneira, o patrão gostava dela.  Seu sonho, sua ilusão era ele chegando, afagando, ternura e carinho de nunca acabar.  Sim, ela sonhava mas a realidade era diferente.  O velho, que não era velho coisa nenhuma, chegava, jeito violento e sem ternura: mãos que apertam, boca que morde, braços que empurram, corpos caídos não chão; a cama não é necessária, é só um detalhe a mais no quarto, qualquer espaço é aproveitado; parece que o tempo é curto demais e é bobeira perder segundos preciosos procurando um lugar adequado.  Sim, pensar nessas coisas sempre havia servido para se acalmar, sonhar, imaginar que a realidade não era essa que ela vivia.  Agora doía, pois agora era só lembrar.  Verdade, fazia tempo que tudo havia mudado, já não aconteciam os encontros, os banhos, eles foram diminuindo até ficarem esquecidos.  Bom, ele esqueceu, fazia de conta que nunca haviam existido; mas não, não eram produto da sua imaginação, eram seus e ninguém poderia tirá-los dela.  Esses momentos, apesar de tudo, eram a parte feliz da sua vida e agora doía e quase não suportava; só ficaria a lembrança e, claro, a saudade.
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“Para o presente que dos Céus ganhei: meus filhos”
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Paul Alejandro Aguilera Burneo, nascido em Guayaquil, Equador, escreveu seu primeiro conto ainda na escola e os professores o incentivaram pela continuidade. Participou do Concurso de Contos Juan Rulfo patrocinado pela Rádio França Internacional quando ficou entre os cinquenta melhores. Dedica-se bastante a leitura e é vasto o rol de escritores que conhece as obras. Como frases, escolheu duas de Facundo Cabral, cantor e poeta argentino: “Estás com fome, come mato, milhões de vacas não podem estar enganadas” e, “O diabo também é filho de Deus”
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