Rosemary de Oliveira
Caraguatatuba - SP Elas emprestam seu
perfume à noite, colorem as esquinas, entregam-se a estranhos. Vendem
seus sonhos, por já terem penhorado suas ilusões. Elas amam
também. Amam talvez a liberdade implícita em seus atos e escolhas.
Escolhas que as escolhem. Elas vagam. Pairam sobre os cruzamentos, como entidades
não convidadas que incomodam, chamam à reflexão. Elas
existem e são mais reais do que se possa imaginar. Têm personalidade,
anseios, dúvidas. Medem calçadas, pedem atenção.
Cobram por seu calor, recebem frieza. Indignam-se, divertem-se, desesperam-se.
Estão lá, sempre a exibir o mesmo figurino diminuto, não
importando se chove ou faz frio, pois é preciso exibir a mercadoria,
não há tempo para insinuar curvas. Não há tempo
para uma troca de olhares mais apurada. Quem sabe isso viesse não
a desvendar segredos, mas a desnudar verdades? Nas vestes sobra o brilho
roubado dos olhos; os sapatos tentam mantê-las acima das ruas, para
que por lá não fiquem jogadas, fixando ali sua moradia. Algumas
se enchem de coragem e se despem de amor-próprio para enfrentar a
noite insone e desprazerosa em braços de amantes relâmpagos,
na tentativa às vezes vã de manter um teto para uma família,
que não é a família daquela que se empresta à
noite, que se dá à luxúria, que sorve bebidas quentes
de turvos copos em balcões cinzentos, que baila seu corpo ao som de
antigos boleros ou sacode-se ao ritmo elétrico de músicas duvidosas,
mas daquela que ainda acredita que pode fazer parte de uma história
mais justa e feliz, muito embora sua própria história vá
sendo escrita em folhas rotas, com pouca tinta. Exibem sorrisos tristes
e risadas ruidosas enquanto distribuem paixão pela vida, pois é
preciso querer muito viver, para estar sempre à margem. Lá
elas vão ficando, enquanto se permitem. E mantêm-se firmes.
Sobra-lhes em tenacidade o que lhes falta em dignidade, compreensão
e amizade. Em sua beleza furtiva ficam escondidas suas agruras que emprestam-me
momentos de pura inspiração desinspirada, desesperada...
Garotas à luz do tédio profundo. A luz do tédio sobre garotas profundas. Luz profunda sobre garotas. E tédio! *** Rosemary Aparecida de Oliveira escreve desde sua adolescência. Venceu um evento literário
e, como Amiga das Letras busca somar-se a outros e partilhar suas obras.
Aprecia viajar para o interior de um personagem bem construído, ao
redor de uma paisagem bem descrita ou numa trama bem enredada. Gosta de Jorge
Amado, Machado de Assis, Amyr Klink, Luis Fernando Veríssimo e Mário
Prata.
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