Garotas à luz do tédio profundo

         Rosemary de Oliveira  
         Caraguatatuba - SP     

 Elas emprestam seu perfume à noite, colorem as esquinas, entregam-se a estranhos. Vendem seus sonhos, por já terem penhorado suas ilusões. Elas amam também. Amam talvez a liberdade implícita em seus atos e escolhas. Escolhas que as escolhem. Elas vagam. Pairam sobre os cruzamentos, como entidades não convidadas que incomodam, chamam à reflexão. Elas existem e são mais reais do que se possa imaginar. Têm personalidade, anseios, dúvidas. Medem calçadas, pedem atenção. Cobram por seu calor, recebem frieza. Indignam-se, divertem-se, desesperam-se. Estão lá, sempre a exibir o mesmo figurino diminuto, não importando se chove ou faz frio, pois é preciso exibir a mercadoria, não há tempo para insinuar curvas. Não há tempo para uma troca de olhares mais apurada. Quem sabe isso viesse não a desvendar segredos, mas a desnudar verdades? Nas vestes sobra o brilho roubado dos olhos; os sapatos tentam mantê-las acima das ruas, para que por lá não fiquem jogadas, fixando ali sua moradia. Algumas se enchem de coragem e se despem de amor-próprio para enfrentar a noite insone e desprazerosa em braços de amantes relâmpagos, na tentativa às vezes vã de manter um teto para uma família, que não é a família daquela que se empresta à noite, que se dá à luxúria, que sorve bebidas quentes de turvos copos em balcões cinzentos, que baila seu corpo ao som de antigos boleros ou sacode-se ao ritmo elétrico de músicas duvidosas, mas daquela que ainda acredita que pode fazer parte de uma história mais justa e feliz, muito embora sua própria história vá sendo escrita em folhas rotas, com pouca tinta. Exibem sorrisos tristes e risadas ruidosas enquanto distribuem paixão pela vida, pois é preciso querer muito viver, para estar sempre à margem. Lá elas vão ficando, enquanto se permitem. E mantêm-se firmes. Sobra-lhes em tenacidade o que lhes falta em dignidade, compreensão e amizade. Em sua beleza furtiva ficam escondidas suas agruras que emprestam-me momentos de pura inspiração desinspirada, desesperada...
 Garotas à luz do tédio profundo.
 A luz do tédio sobre garotas profundas.
 Luz profunda sobre garotas.
 E tédio!
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“Para Felipe e Laís, razão da minha existência e por quem busco ser, a cada dia, uma pessoa melhor”
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Rosemary Aparecida de Oliveira escreve desde sua adolescência. Venceu um evento literário e, como Amiga das Letras busca somar-se a outros e partilhar suas obras. Aprecia viajar para o interior de um personagem bem construído, ao redor de uma paisagem bem descrita ou numa trama bem enredada. Gosta de Jorge Amado, Machado de Assis, Amyr Klink, Luis Fernando Veríssimo e Mário Prata.
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