Uma dose?
Valder Palma Galo 
               Mirassol -SP 
- Mais uma dose, por favor. - sobre voz triste e mal tratada.
- Claro, e aí gostando? – num gesto sem jeito de animá-lo, perguntava o jovem barman.
-Não, Hum ... por favor. Não estou muito a fim de conversa, poderia apenas me dar mais uma dose. Por favor! – seus olhos baixos a cuidar do copo vazio; falava calmamente o jovem. Não parecia estar bem, parecia até que estava de luto, ou à beira da morte.
 -Me desculpa. – silenciosamente, colocando whisky no copo.
 -Tudo bem.
 Satisfeito, voltou seus olhos à juventude. Todos estavam a dançar e se divertindo muito. Era uma festa, e ele não fora convidado. Porém não havia convites, bastava ser jovem, coisa que não conseguia.
 Deslocado e só, sem saber para onde ir, ficava a fitar sua volta.
 O lugar era aberto para o luar, apenas ficava sobre tetos o bar e um pequeno salão onde os jovens dançavam e se divertiam sobre belas luzes e altas músicas. Era estranho, mas perto do pequeno muro que dava para a rua ficava um pequeno lago, com águas límpidas e transparentes onde moravam belos peixes ornamentais que prendiam a atenção de todos que chegavam por perto, e, por tudo onde o luar podia tocar estavam mesas, cadeiras e belos sorrisos a conversar.
 Sem saber para onde ir, resolveu a se aproximar do lago. Parou alguns minutos ali, guardando todos os movimentos da água e de seus inquilinos. Cansou-se de olhar de pé, resolveu sentar-se. Logo, cansou de olhar para a água e voltou-se para a multidão sem se levantar. Vendo que estava perdido, ficou ali, apenas, ele e seu copo; ora olhava para as pessoas; eternidades olhava para seu copo.
 Toda esta vida, todos estes sonhos que aqui encontro, livres, não como pássaros, livres como sonhos. Meus ombros doem ao carregar tal pedra. Procuro o que li em histórias e nunca ouvi. Não uma palavra, um sentimento. Porém, a cada dia, a pluma chega mais perto do chão, ao ver que os únicos braços capazes de me laçar são os frios braços da solidão. – seus pensamentos eram confusos, porém transparentes.
 Logo, três belas jovens saíram todas agitadas do salão de danças. Não caminharam em direção ao bar, nem tinham onde se sentar. Pararam por algum lugar sobre o luar e ficaram a conversar:
 -Fer, ainda não acredito que você está aqui com a gente. Senti tanto a sua falta. – clamava com alegria a jovem Mara, que levava suas mãos na altura de seus ombros, quase tocando seu próprio queixo, movendo sua cabeça de um lado para o outro, tudo com um belo sorriso.
 -É verdade, Fer! Você fez muito bem de largar daquele idiota, você merece alguém muito melhor que ele. – Gabriela tocava seu ombro, e olhava sem dar muita atenção, voltando seu olhar para o seu redor.
 -Eu também estava morrendo de saudades de você! Fernanda ligava as amigas com seus braços.
 Ali estavam as três mais uma vez paradas e por ali continuaram, olhavam aqui, olhavam ali. Todas procuravam algo, mesmo que fosse pouco, mesmo que fosse nada. Sorriam, trocavam olhares, gestos e sonhos, como crianças no parque.
 Quando, no meio de um sorriso que foi se queimando aos poucos trazendo as cinzas da risteza, os olhos de Fernanda pararam sobre um belo rapaz. Cujos trajes negros morriam com seus cabelos lisos e dourados, que sobre a força do vento, ficavam a quase ocultar sua face.
 A jovem tremeu, sem saber o que fazer procurou outro lugar para olhar. Olhou para o chão, mas nada tinha lá. Olhou para a amiga que sorria com os encantos de outro rapaz.
 Vazia, sentiu-se perdida. Ela sabia o que queria. Queria poder ver os olhos dele, queria ouvir sua voz, sentir seu cheiro, saber sobre sua solidão, saber o porquê ele acariciava seus desejos desta maneira.
 Mara a tira do transe com um solavanco sobre seu ombro.
 -O que você tem amiga? – indagava-a, tentando ajudá-la, mantendo sua mão sobre seu ombro direito.
 Um sorriso, sem graça foi a única resposta. Fernanda não agüentou mais e voltou a procurá-lo com seus olhos. Uma surpresa, desta vez era ela quem foi encontrada.
 Ficaram ali parados sem fazer nada, apenas um olhando nos olhos do outro. A solidão que gritava do rapaz tentava abraçar o coração da jovem, sem toques ou sussurros. 
Mara a acorda e diz:
- Vai lá, tonta! - coberta sobre um sorriso sem graça.
Fernanda apenas fitou rapidamente com um sorriso e caminhou até perto do rapaz, que a aguardava cabisbaixo, olhando para seu copo ainda sobre a metade.
 -Oi ... Posso me sentar?
 O rapaz levou sua atenção aos olhos da bela moça, e, sobre o peso da timidez, respondeu: “Claro” – levando quase um sorriso a moça, deixando-a sozinha para ficar com o seu copo.
 Porém Fernanda não se intimidou e brincou. Ela olhou para o copo das mãos do rapaz e disse: “_Oi, muito prazer, senhor copo, me desculpa, mas você poderia me dizer o nome do seu amigo aqui? Ah é; o meu é Fernanda”.– adocicada era sua voz e todo o seu bailar.
 -Fernando, desculpa é que estou meio perdido. – sorriu e olhou para ela.
 Estranhamente as sombras cobriram seus olhos, porem brilhavam sobre a luz do luar, puxando a atenção de Fernanda.
 -Perdido ...?
 -Por que você diz isso?
 Fernando sorri sem jeito e continua. “Não, nada não, Fernanda”.
 Sem saber o porquê, Fernanda olhou para baixo e começou a lhe contar histórias sobre seus ex-namorados. Um pior que o outro, retrucava ela, às vezes, fazia graça do passado e ria ao lembrar, outras vezes apenas contava. Todos, todos os 3 ou 4 eram todos, ou que ela contava.
 -(...) foi muito engraçado quando o Nérso me pediu para que ficasse quieta, pois estava envergonhando ele. Acha eu ...
 Fernando não bebia mais, ficava com os contos da bela jovem, que as beiras e barrancos contava toda sua história que ela chamava de amorosa. Não encantado. Apenas se deixava navegar sobre as mais altas nuvens do ser angelical que lhe presenteava com sua ternura. Até que o anjo tira-o dos sonhos. “E você, me conta algo das suas namoradas. Até agora só eu falei, por que você não me conta algo?”.
 Fernando sorriu, voltou seus olhos para o copo e acariciou a boca da taça com um de seus dedos. Mantendo a atenção nele, respondeu meio envergonhado e triste, tirando todo peso de seus pulmões:
 -Não gosto de falar sobre isso! Fico triste ao me lembrar do que se foi. E também iria demorar muito.
 Fernanda, sem receios ou restrições: “Nossa e você vai me deixar nessa curiosidade?” – sobre o casal pairava o frio silêncio, até que o gelo é quebrado mais uma vez.
 -O nome dela era Fernanda?
 -Já sei, era morena, assim como eu?
 Fernando continua a acariciar o copo, não o usava para mais nada.
 Por que, senhor, esta garota fica a me interrogar sobre o meu amor, é esta minha cruz, meu pecado?
 Singela é sua voz, Anastácia é sua chaga.
 Amor?
 O que ela conhece é apenas paixão.
 Curiosidade, talvez. – seus pensamentos viajavam sobre notas silenciosas.
 -Aposto que não tinha olhos tão belos como os seus! – afirmou a bela.
 E tais olhos, esses que se voltaram aos delas e responderam, tristes e calmamente. “Tudo bem, eu lhe conto”.
 Fernanda sorriu arrumou seus longos cabelos escuros cacheados sobre um de seus ombros e se aconchegou no assento.
 -Eu tinha 13 anos; morava aqui ao lado de Mirassol, conhece (sem deixar para respostas, continuou). Não era o começo do ano, já tinha se passado alguns meses. Eu era um garoto muito safado sabe, sempre era o líder dos corruptos e herói dos loucos. E um dia ao cabular uma aula de história. 
Eu fazia isso só por diversão, não que tinha rancores do seu Manuel. 
Surpreendi-me com meus olhos. Pensei por um instante, ter morrido. Não sabia o que era beleza, até que vi a criança de sua pele brincar com seus longos cabelos com a cor de ouro. Eram longos e cacheados, não, cacheados não, pois eram ondas. Como as do mar sobre o pôr-do-sol.
 -De onde eu estava, não conseguia ver seus olhos, porém a ternura com que estava sentada. Com as pernas cruzadas, criando uma mesa para seu caderno e quase todo seu cabelo jogado sobre um único hemisfério de seu corpo. Deixou-me perdido, parado, apenas saboreando o momento. Até que, por magia, nossos olhares se cruzaram. Foi estranho, pois parecia que já a conhecia de algum lugar, e ela me passou a mesma impressão. Mas me dei por conformado e continuei, ela apenas moveu seus ombros e continuou a escrever.
 Do nada, um belo peixe emerge da água e cai para fora do lago, em um ponto que ninguém poderia salvá-lo. O casal volta sua atenção ao valente kamikaze.
 -Tadinho, você viu que coisa, e agora?
 -Nada. Só o que se pode fazer é esperar a morte. – fria e calma foi a sua resposta.
 -Estranho, por que será que ele fez isso.
 -Será que eles morreriam por amor? – indagou Fernando. Levando seu corpo próximo ao lago a olhá-lo. Fernanda fez o mesmo. “Será”; olhares cruzaram-se, o silêncio do amor cobre a música da boate e uma leve chama se acende, unindo o casal com um beijo. Não um beijo de cinema, um simples toque de anjo; as mãos da garota ficavam perdidas pelas pernas do rapaz, que a tocava com leveza a seda de sua face. Não foi longo, tão pouco curto, foi perfeito. Depois, ele tocou com seus lábios suavemente seu pescoço e descansou sua face em seu ombro em silêncio.
 A brisa fria da noite punha seus corpos mais próximos à procura do calor do amor. O corpo do rapaz era robusto, como de um bárbaro, porém se encaixava perfeitamente na melodia da donzela. Levando a ela ainda mais um sentimento, o de proteção.
 -Sabe, abraçada assim com você... é estranho. É como se eu estivesse protegida de todos. É como se não houvesse tempo para envelhecer ou morte para nos separar. – ela recitava tocando a face dele e limpando-a de seus cabelos.
 Fernando, então, levanta sua cabeça, prendendo seu olhar ao de Fernanda e sussurra:
 -Você tem medo de me perder? – ela sorri e esmaga a face do jovem com a ajuda de suas duas mãos e aperta seus lábios aos dele, liberta-o e responde com certezas: “Não”.
 O silêncio paira mais uma vez diante do ocorrido. Fernanda nem percebe e indaga outra questão:
 -E ai, e sua história, que aconteceu depois?
 -Depois di... – indagou como se não soubesse sobre.
 -E ai, o que aconteceu depois de você tê-la visto?
 -Vai me dizer que acabou aí. – sorriu sobre piadas brancas.
 -Não, não acabou assim. – respondeu tirando mais um gole de seu copo.
 -Foi conversar com ela?
 -O que ela te disse? – apressava a resposta enlouquecidamente à procura do fim.
 -Eu voltei, depois de alguns instantes, e me sentei ao seu lado.
 -Foi estranho, porque, apesar da juventude, não tive vergonha ou medo, não senti nada, era como se fosse uma prima ou coisa assim.
 -Não pensei no que dizer, nem se quer tentei impressioná-la. Apenas disse: “Oi, desculpe-me estar incomodando, mas da onde eu conheço você?”.
 -Foi estranho, ela sorriu para mim, largou o lápis e a caneta sobre seu colo, e respondeu sorrindo.
 -É isso que estava pensando e até agora não encontrei a resposta. Estranho, não?
 -Estranha foi essa resposta. Nunca pensei que ela falaria algo assim, nossos problemas eram uma equação de X mais Y e o resultado era A. Para não fazer feio. Apenas confirmei com a cabeça.
 O tempo voou como uma pluma sobre o vento e a sinfonia, deixando passar apenas boas lembranças.
 -E por que ela te deixou? – indagou como uma descrente.
 Uma longa talagada mais que necessária para o momento.
 _Digamos que nossos caminhos foram separados, sem nos deixar outra escolha, a não ser continuar a viver à morte.
 Fernanda então tomou seu copo, sem pedir licença e deu o último gole do que restava. Levantou-se e jogou-o com toda sua força para o mais longe que conseguiu.
 Quando voltou seu olhar para onde estava Fernando, não havia mais nada. Olhou em volta para ver se conseguia encontrar ele, procurou por toda parte. Mas era como se Fernando nunca houvesse existido.
***
“A todos que conquistaram  um lugar em minha vida e em minhas lembranças”
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Valder Palma Galo é contista e tem com “Uma dose?”, no Clube Amigos das Letras, seu primeiro trabalho editado em livro. Sobre frases, tem guardada uma: “O maior prazer de um homem inteligente é bancar o idiota diante de um idiota que banca o inteligente”  (Confúcio) 
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