Quando vovô se foi
               Fábia Alvim                
                      Juiz de Fora - MG                   

Fazia já um mês que a morte anunciara-se no nosso avô. Minha irmã ligou pedindo que eu fosse vê-lo, mas eu não perderia aquela morte. O que nos entristece é que até hoje vovô não se foi. Sou o filho mais velho. Retornar à minha cidade natal me fez sentir cheiro de infância...das tias gordas fazendo a ceia de natal, da praça com crianças e pipas. 
 O que mais abaixava cabeças e olhares é que vovô melhorava. Fortalecia-se. A tristeza tem explicação. Na família do meu pai, os homens morriam com poesia. Eram mortes de continuação. Eram fins com gosto de vida eterna. Também explico: os homens da família do meu pai morriam de um jeito ímpar. O avô do meu avô era músico. Tocava numa banda. Quando ele se foi, morrendo do coração, deixou uma música calma e baixinha que até hoje nos encanta os ouvidos quando é aberta a porta do quarto onde ele fechou os olhos. O pai do meu avô era pintor. Gostava de eternizar momentos em cores. No dia da morte do velho estava lá toda a família. Mal fechou os olhos, ele desfez-se em cores, todas elas, e prendeu-se a uma tela antes branca, guardada no mesmo quarto e que ilustra aquela música. Vovô gosta de passarinhos. Nasceu vendendo e comprando canários. Ganhou prêmios. Quando, há um mês, sentiu chegar perto dele o começo do fim, viemos todos...
 A família sempre tentou mostrar aos moradores da cidadezinha que as mortes não eram tipo nenhum de espetáculo. Mas esperava-se o dia. Todos já esperavam a ida do meu avô. Os mais velhos, com saudades das outras despedidas; os mais novos, com a ansiedade de quem desconhece e sonha. Os jornais eram quase dedos cruzados. Nós, de certa forma, também.
 Estávamos tomando café e era Domingo. Vovô nos chamou com umas palavras que não entendemos. Fomos todos esperar ao redor da cama. Os olhos tinham todos um brilho de expectativa. O último suspiro do vovô foi de tranqüilidade. Vovô deitou-se na cama e tornou-se uma revoada de canários, com a música do avô e as cores do pai. Nada ficando ali – nem corpo morto e nem lágrimas -, os canarinhos voaram pro céu mais lindo que já vi.
 A cidade falava daquele destino. Crescia com aquelas histórias. Pensavam como deveria ser alegre continuar, na morte, o que se fazia em vida.
 Papai era bancário. Estive a observá-lo naqueles dias em que esperava a morte do vovô. Tive a impressão de tê-lo visto tossir e pigarrear mais do que de costume.
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“À minha mãe, à tia Zezinha, a José Mauro de Vasconcelos, a Jorge Luís Borges, à minha avó, e ao Lucas”
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Fábia Alvim passaou a gostar das letras com os avós, contadores das histórias “mais incríveis entre todas as existentes”. Cercada de mãe, tios e avós “amigos das letras”,  conquistou  vários diplomas de concursos de poesias no colégio chegando a  escrever para um jornal da universidade. Uma frase, “ As letras alheias me causam muito mais êxtase do que as minhas próprias”.
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