Armando Brasileiro
Rio de Janeiro-RJ Nasci no mato, num casebre,
debaixo do Jequitibá. Dona Maria Benta - a parteira - ajudou minha
mãe. Até os dois anos, ficava no caixote de querosene, na sombra
das árvores. Depois, até aos cinco anos, ficava amarrado pelo
pé, por um imbé ou embiruçu, nos pés de café.
Minha mãe, dizia que era pra me proteger. Tinha medo que eu sumisse
ou fosse picado por aranhas, cobras, escorpiões ou tijuranas. Ela precisava
ajudar meu pai na lavoura, e não podia ficar o tempo todo comigo;
o Jarbas era menor e mamava; uma pequena pausa e nasceu Isaurinda. Depois,
eu ficava solto, brincava e construía arapucas, jequi, avião
de barriguda e cuidava do Jarbas e da Isaura; chorona, mas muito linda,
era um doce de menina meiga. O Jarbas meio brigão, queria me bater,
mas eu dava-lhe uns cascudos e ele ficava bonzinho. Meu pai, às vezes
saía bem cedo, pra vender em Central ou Galiléia, os bichos
de cabeça pra baixo, no bangüê: galinhas, leitões
ou barrões, ou uma banda de capado - a outra parte era para as despesas;
e minha mãe, depois de horas no pilão ou no monjolo, já
com tudo pilado, enfumaçava a casa com fogo no guaribu - a chaminé
não dava conta - para torrar o café e preparar o almoço
dos “companheiros”. Meu pai, chegava à noite com formicida, sementes,
querosene, lamparinas, pavios, fósforos, sal, agulhas de saco. Panos
para costuras e remendos; remédios, pão sovado, balas de apito,
boné de bico e maxambomba. Tudo no picuá. O bangüê,
torto. Os pés, inchados. A coluna desalinhada e meio descadeirado.
Mesmo assim, tinha festa e brigas, meu pai esquecia muitas coisas, das encomendas,
da minha mãe e dos vizinhos. Depois da festa e das brigas, íamos
para casa de oração. Meu pai levava o Jarbas, minha mãe
a Isaura. Eu ia no chão. Não era muito longe, apenas uma légua.
O caminho era escuro, quando não tinha lua. Na volta, cansados, com
sono, desatentos e descalços, as pedras machucavam nossos pés
e nas topadas, arrancavam nossas unhas, tínhamos que passar sobre pinguelas,
pular sobre córregos, espinhos, cobras e peçonhentos. Se não
ventava muito, meu pai usava lamparina pra passar nas pinguelas. A lanterna,
nunca tinha pilhas. O Obede e a Odete chegaram juntos e também cuidei
deles. O Mateus, só veio bem mais tarde, não ficamos muito
tempo juntos: eu fui pra Belo Horizonte, São Paulo, Rio... e ele,
pra Rondônia; só muitos anos depois, nos encontramos. E, depois
de muitas alegrias pelo nosso encontro, ele “foi” de moto, e nos deixou. Vi
seu rosto pálido e, no seu corpo frio, ferimentos. Ruiu meu peito,
feriu minha alma, ficou um imenso vazio, dor, lágrimas e muitas saudades.
Do seu irmão, Armando Brasileiro.
*** Armando Tavares Araújo (Armando Brasileiro) é um escritor intuitivo,
guiado pela paixão de sua vivência, sua experiência
de vida. Escreve crônicas com inspiração e engenho, fazendo-as
fluir para o papel com mestria. Deixar o leitor mergulhado no texto, na história,
nos dramas do personagens, na realidade das descrições e seu
dramático final, é a caracteristica de seus textos.
Apoio Cultural: Do site www.gritodopovo.com.br *** |