Belmira Cláudio
Um floco de algodão
salpicado de amarelo, saltitava frenéticos arroubos de energia. Contido
pela treliça de amor intencionado, ele gritava protestos em gorjeios
aos ouvidos de Clarice.
O exalar do pranto na sonoridade de cores variegadas tornava-o tanto mais precioso aos seus oito anos. Um sol nostálgico de matas frescas iluminava de bravura aqueles sons. A visita de cores aladas, o beija-flor, o bem-te-vi ecos de rútilos espaços, fazia irromper em seu peito, aos gritos, a chama da territorialidade. A menina não sabia ler seus sentimentos. No espaço exíguo, a nostalgia de lutas ancestrais perturbava seu sossego. De haste em haste carregava o desalento, julgando enfrentar monstros ou gigante minaz. Vivia ao abrigo de perigos, mas a proteção lhe cerceava a liberdade. Ignorá-la era suportar os dias muito iguais. Ele a encantava. Ela chamava os amigos. Vê-lo cantar era seu deleite. O canário tentava dialogar com seus algozes, cantava-lhes sonoras melodias, argumentando com veemência sobre direitos das aves. Surdos a seus apelos, elogiavam a harmonia de seu canto. Dentro de seu cárcere dourado, o canário sonha a nostalgia de verdes colinas, de atávicas paisagens de um mundo distante na arqueologia de seu passado. Contemporâneo, talvez, de dinossauros, dos primeiros hominídeos, ou mais recente, de homens capazes de registrar com a escrita, a beleza de seu canto. Muito tarde, na velhice, desistindo de toda luta, os pés encarquilhados, sem forças para o salto ou o arremedo de vôo entre as hastes de seu cárcere, vive o silêncio. Apenas um triste pio, apenas um aceno àquela que o ama, mas não lhe ouve as mensagens. Belmira I.M. Cláudio
freqüenta o Grupo Flamboyant onde são discutidos obras literárias
e analisados poemas e contos de participantes. Com o grupo, publicou três
antologias na última década. Sagrou-se capaz também em
outros eventos literários. Leu José de Alencar, Eça de
Queiroz, Machado de Assis, Clarice Lispector, Lígia Fagundes Telles,
Saramago, Cecília Meireles, Manoel de Barros e com Mário Quintana,
pensa: “basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira”.
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