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R. Pires
Camocim - CE A escuridão lembrava
o interior de Bitupitá no tempo em que ainda pertencia a Camocim, numa
noite sem lua. Estava como anestesiado. Não sentia dores, sequer
bem ou mal-estar. Não sentia nada. Não tinha medo, apenas curiosidade.
A consciência nascia aos poucos. Onde estaria? Lembranças? Ainda
nenhuma! Tentou mexer-se, virar-se, não conseguiu. Não estava
de pé, ficou claro pela tentativa frustrada dos movimentos; mas será
que teria pés? Não podia ver ou senti-los. Experimentou uma
sensação de leveza e um silêncio que doeria nos ouvidos,
se os tivesse... Mas como poderia estar sabendo do silêncio, se tinha
dúvidas sobre um possível aparelho auditivo?
Tudo indicava que as regras haviam sido mudadas. As leis da física terrestre pareciam todas violadas (singularidade?). Com esforço, conseguiu virar-se, apesar da sensação incorpórea. Foi um movimento brusco, pois mal sabia flutuar na vastidão etérea. Aos poucos, foi adquirindo um certo controle sobre seu Eu. Este, com certeza, estava preservado! Sentia sua unidade psíquica intacta. Não tinha personalidade; mas tinha individualidade. As “sensações” começaram a aparecer. Percebeu, em sua virada, uma luz, mas não era uma luz qualquer, era uma luz chamativa, amiga, que sugeria paz. Da culpa? Aquele sentimento que o perseguiu a vida toda? Nem sombra! À medida que assumia o controle de suas capacidades, ia examinando em volta, isto sem se esquecer da luz uma fração de segundo sequer... Segundo? A unidade temporal tinha enlouquecido. Não conseguia se localizar no tempo, somente no espaço circular, isto já sabia! Lembrava nos moldes terrestres uma caverna. Sua atenção era puxada, suavemente, para a luz e percebeu que se movia, lentamente, em direção àquela fonte energética com um poder de sedução crescente. Estava aos poucos ficando “familiarizado” (oh! falta de terminologia para explicar o inexplicável!) consigo mesmo e, assim, foi sentindo-se poderoso. Movimentou-se para outro lado. Será que havia lados (esquerdo, direito) naquele estranho lugar? Sua principal noção, a inicial, era de frente e trás. Pesquisa o novo universo em busca de outras dimensões e isto era ainda muito complicado para ele. No entanto, atreveu-se a uma especulação pessoal. Quem sou? Onde estou? Para onde vou? Desistiu. Achou que era cedo para estas indagações. Precisava de “tempo” e não conseguia entender, pois o tempo era apenas uma suposição louca, fragmentos de lembranças! Não tinha nenhum compromisso com nada. A pesquisa estava livre. Teve vontade de voltar, mas lembrou-se da luz e percebeu que ela o repreendia, suavemente. Tinha redescoberto o Não. Um não amoroso, calmo, mas ao mesmo tempo imperativo como qualquer não! Não era um não que queria dizer sim, como o das amantes: “não... não... não... não !” Era um não, como o de mãe ao seu filho rebelde... ele bem sabia que não era permitido voltar nem um pouquinho! Era, por certo, a “serpente” que o atacava com tentações. Sentiu, então, uma presença vil! Era uma infâmia! Havia outro Ser, assim representado: por ser a antítese daquela luz. O Anti-ELE! Mas como poderia existir algo tão incoerente? Tão sórdido, tão mesquinho? Coisas divinas? Sim! Ele havia descoberto algo. Havia descoberto DEUS e o... DIABO, E se me atrevo a escrever seu nome é por ser uma necessidade da comunicação literária! Mas voltemos ao nosso personagem, num confronto entre os opostos capaz de fazer inveja a Hengels. E é nesta loucura “Hengeliana” que nosso herói sente-se a síntese! E a presença dos seres opostos completam o ambiente! De um lado, a Luz do outro, a Escuridão. É o supremo contraste! Estas forças interagindo aceleram seu processo de recuperação e, aos poucos, suas lembranças, sua personalidade vão voltando. Lembrou-se, enfim, de tudo, e a paz começou a desaparecer... Então começou a nutrir por aquele Ser desgraçado e sem Luz um ódio terrível; mas percebeu que não o poderia enfrentar! Concentrou-se na Luz e puxou forças para resistir. A Luz era benéfica e caridosa e seu brilho se reforçava mais com a presença do Outro! Seu incomensurável poder ficou infinito com o extremo da comparação. Ele, revigorado pela Luz, deixa de vibrar negativo e se assemelha com o Ser Iluminado. Por isso, aproxima-se do Ser das trevas, visto que os opostos se atraem: é a lei da Física que começa a se impor! Nosso personagem tem seus planos feitos, escondidos nas profundezas de seu ser. Os dois seres estão agora ligados um ao outro (amor e ódio acoplados numa sanha complementar. De posse dos poderes recebidos pela Luz e com profundos conhecimentos de Astronomia, traça uma rota em vertiginosa velocidade rumo ao buraco negro, catalogado como ZZ-3421, nas proximidades de Andrômeda, arrastando consigo o Mal agora aprisionado. Este “buraco negro” é um super condensado de matéria! É um dos fenômenos mais poderosos do universo! Uma vez capturado, nem um raio de luz pode escapar de suas profundezas. Engolia qualquer coisa que capturasse e a transformava para o estado original da matéria. Nosso personagem já supera a velocidade da luz e se aproxima perigosamente de “ZZ-3421”. Calcula a distância máxima de aproximação segura. Em sua frente, algo capaz de superar o próprio inferno. O supremo reciclador da natureza. O prisioneiro tenta em vão se libertar! Sua única saída seria vibrar de forma idêntica ao seu parceiro de viagem. Se conseguisse encher-se de amor, libertar-se-ia de imediato, pois as cargas iguais se repeliriam e ele estaria solto! No entanto, não consegue, pois isto não é da sua natureza. Ele está enfurecido e cada vez mais odeia, e cada vez mais se prende. O momento crucial é chegado. Caso se aproximem muito do horizonte de eventos, ambos serão destruídos, capturados para sempre! Nosso personagem sabe disso e se prepara, girando em torno de si mesmo, colocando a sua frente o inimigo acoplado! Prepara-se e libera, repentinamente, todo o ódio escondido nas suas profundezas! Chega a blasfemar contra a Luz sagrada! E é nesta fúria profana que suas cargas se igualam: Ódio com ódio! Começam a se separar. O inimigo em direção ao buraco negro, e o outro empurrado com força para trás. As distâncias crescem. Havia se soltado a tempo! E o desgraçado não podia mais se libertar daquela força terrível. Uma explosão abala todo o Universo. É o colapso total! É o próprio desequilíbrio. Repentinamente, nosso herói foi chamado pela Luz e é severamente repreendido. — Que fizestes tu? Usaste
da minha força para fazer o que eu nunca queria que fosse feito! A
Treva era o meu ponto de referência. Minha ferramenta de trabalho! Tenho
de recriá-lo para desfazer teu ato tolo! Sem o que destruístes,
como poderei avaliar o Universo? Como poderá existir o “sim” sem o
“não”? A Luz sem as trevas? A tese sem a antítese? Vou bulir
no tempo! Vou devolver-te à Terra para melhor aprenderes...Vai-te e
leva contigo teu ato insano!
———————————————— Acordou com as sacudidelas
de sua mulher:
— Querido, pensei que tinhas morrido! Graças a Deus! Já são quase meio dia e marcamos com a Jakcilene e o Sotero para ir tomar um banho na praia do Maceió. Estão aí fora, há quinze minutos, e eu já ia sair gritando por socorro! Você estava frio como um cadáver. — Querida, tive um pesadelo terrível! — Conta, vai... — Não posso: esqueci... Roberto Pires de Oliveira (R.Pires)
é multipremiado autor que escreve prosa e versos com igual facilidade.
Sagrado “Mestre” na arte literária pelo Clube Amigos das Letras, vem
popularizando este afazer elevando o nível cultural e social de sua
cidade. Tem diversos sítios literários na internet e aqueles
onde publica suas pesquisas da história de Camocim, eternizando seus
personagens, mitos, lendas e fatos históricos.
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